O CHEIRO DO RALO
Humor negro, incorreção política e sarcasmo andavam faltando no nosso renovado cinema nacional. É notória a evolução e a recuperação da auto-estima de nossas produções a partir de meados dos anos 90, com filmes de melhor nível técnico e, principalmente, com roteiros de altíssima qualidade, possibilitando a revelação de grandes atores e diretores tendo como base histórias aparentemente muito simples, mas com profundidade ímpar. Porém, o típico escracho tupiniquim sem papas na língua parecia ter ficado perdido no espaço-tempo deste processo de “renascimento” de nosso cinema. Pois o filme “O Cheiro do Ralo”, segundo longa-metragem de Heitor Dhalia (de “Nina”), chegou cercado de hype e expectativas sim (além de ser exibido atualmente com meses de atraso aqui na capixabolândia), mas cumpre muito bem sua proposta, francamente um conceito cinematográfico nacional que, acredito eu – leigo no assunto, esteja ainda tímido no cenário nacional de longas-metragens de circuito comercial (e não somente restritos às exibições em festivais de cinema).
Baseado em HQ de Lourenço Mutareli (este cara é um assombro!), “O Cheiro do Ralo” conta a história do dono de um sebo de produtos usados de todos os tipos, interpretado com maestria por Selton Melo, e que sente prazer ao exercer seu “poder” sobre pessoas desesperadas em se desfazer de pertences pessoais em troca de dinheiro rápido, além de adotar um fascínio doentio pelo cheiro do ralo de seu banheiro e por uma bunda (isso mesmo!) bem específica. A princípio um tipo esquisito, o personagem (quase auto-biográfico do próprio autor da história) vai se revelando um completo desequilibrado mental, porém ainda cumprindo o básico para ser aceito pela sociedade. A interpretação de Selton no começo do filme parece descambar para algo um pouco caricato, mas no decorrer dos minutos o ator revela um personagem profundo e rico em detalhes, ainda que despreze totalmente os sentimentos pelas pessoas. Não vou contar mais sobre a história, pois esta vai se desenrolando por vias tortuosas e que sempre te pegam de surpresa quando as coisas pareciam se tornar mais claras. A graça do filme, na minha opinião, reside no contraste provocado pelo fato de o Lourenço ir meio que conquistando o espectador com sua loucura que, em vários momentos, soa engraçada, ao passo que, após certas atitudes suas que ultrapassam o limite do “bom louco”, descambam em fatos totalmente condenáveis e incômodos. Trata-se sim de um filme sarcástico, dotado de humor negro e nenhuma correção política, explorando linguagens pouco convencionais e cutucando com os princípios morais do espectador. Acredito que filmes ainda melhores virão.
*O próprio Lourenço Mutareli faz uma ponta no filme com um papel de destaque – o segurança da loja do personagem principal. E o cara parece ter sido ator desde criancinha. Surpreendente!
*O filme de estréia de Heitor Dhalia, “Nina”, é bem bacana, mistura a famosa história de “Crime e Castigo” com intervenções de animação (os HQs do próprio Lourenço Mutareli, que acabou desencadeando a adaptação de “O Cheiro do Ralo” para o cinema) e trilha sonora moderninha, com música eletrônica. Mas me soou um tanto quanto ingênuo, parecia que o conceito em si era mais legal que o resultado final. Porém, foi com este trabalho que o diretor pôde evoluir absurdamente sua proposta em “O Cheiro...”. A propósito, seu filme atual possui muito menos modernices de edição e trilha sonora (não há animações, por exemplo), centrando, ao meu ver, o trabalho técnico na loucura seca e relativamente complexa do personagem principal.
*Está em cartaz no Cine Metrópolis, e vocês sabem que filme lá dura no máximo duas semanas em exibição. A propósito, o som está baixo e abafado (pra variar...) – vá preparado para “abrir os ouvidos”...
*Eu vi o filme segunda-feira, mas só pude postar agora, pois não tenho acesso diário na internet.
5 Comments:
bom, não custa ressaltar: Selton Melo destrói neste filme, bom ator é pouco!
S M é o cara!
preciso ir ao metrópolis, alguém quer me hospedar?
heheheh.
odeio o filme.
(quanto tiver tempo até digo os porquês).
:*
Achei um bom filme, gostei da fotografia e da direção de arte. O Selton também merece elogios, mas achei que esse era um papel pra um ator mais velho.
Pirei!
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