Filme investiga relação de Wilson Simonal com a ditadura militar
LUIZ FERNANDO VIANNA
da Folha de S.Paulo
Em 2002, quando começou a buscar patrocínio para um documentário sobre Wilson Simonal (1939-2000), o humorista Cláudio Manoel encontrou dois tipos de pessoas: as que não se interessavam, por desconhecer quem tinha sido Simonal, e as que diziam coisas como "não quero me meter nisso", "para que mexer nessa história?".
"Ninguém Sabe o Duro que Dei", filme de Manoel, Micael Langer e Calvito Leal que será lançado no festival É Tudo Verdade (no próximo sábado, no Rio, e nos dias 4 e 5 de abril no CineSesc, em São Paulo), é o primeiro olhar do cinema sobre esse homem que, como diz Nelson Motta no documentário, "virou um tabu, um leproso, um pária" na música brasileira.
O degredo começou em agosto de 1971, quando sua popularidade como cantor só era superada (e não por muitos pontos) por Roberto Carlos. Suspeitando de que seu contador o roubava, ele mandou dar-lhe uma surra.
O problema é que a surra foi dada por dois agentes do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), serviço público cuja especialidade era torturar adversários da ditadura militar --e falsos adversários também. Um inspetor, Mário Borges, disse à imprensa que Simonal era informante do Dops, e a pecha de dedo-duro nunca mais se descolou dele, jogando-o num longo ostracismo.
"Ele pagou uma pena dura demais, desproporcional para uma surra, porque sua condenação foi até o fim da vida. Para ele, não teve anistia", afirma Manoel, da trupe Casseta & Planeta.
Mas o documentário não é uma defesa de Simonal. Por um lado, até piora sua situação, pois os três diretores, empenhados em saber o máximo sobre o que aconteceu, contrataram um detetive para localizar Raphael Viviani, o contador que foi o pivô da história.
Viviani diz no filme que foi torturado com choques elétricos no Dops e só aceitou assinar uma confissão do roubo --que ele nega ter cometido-- quando ameaçaram pegar sua família.
Talvez a história tivesse terminado aí, não fosse sua mulher ter dado queixa do seu desaparecimento. O delegado resolveu investigar o caso, viu Viviani todo machucado e chegou ao nome de Simonal.
Ingenuidade
O cantor alegou ter recorrido ao Dops porque vinha recebendo ameaças terroristas e disse, talvez para impressionar, que tinha conhecidos na polícia política. Quando, mesmo sem provas, foi classificado como informante, ele se enrascou.
"Ele foi infeliz no caminho que seguiu", afirma Viviani no filme. Por esse lado, o contador até ajuda a imagem de Simonal, pois reforça a idéia predominante no documentário: o cantor era um boquirroto ingênuo, sem consciência da gravidade da situação política de então, e morreu pela boca.
Pela surra que mandou dar, Simonal foi condenado em 1972 a cinco anos e quatro meses, que pôde cumprir em liberdade. Pela fama de dedo-duro, pagou enquanto esteve vivo --e depois também.
Em 2003, após a família pedir uma investigação sobre o caso e diante do documento de 1999 da Secretaria Nacional de Direitos Humanos informando que não havia nenhuma prova de que Simonal tivesse servido à ditadura, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) o reabilitou simbolicamente.
"Ele dizia para mim: "Eu não existo na história da música brasileira'", conta, no filme, Sandra Cerqueira, a segunda mulher de Simonal, que acompanhou sua amargura, seu alcoolismo e sua grande raiva --o documentário tem imagens dele em programas de TV clamando inocência.
"Ele tinha uma atitude provocativa que não o ajudava a fazer amizades. Era metido a besta, um crioulo de sucesso que andava de carrão e comia as filhas dos brancos. Era um negro liberto", diz Manoel, tocando na questão racial, muito presente no longa.
Boa parte do filme cobre o "antes da queda". Aí se vê Simonal ao lado de Pelé --possivelmente o único negro mais famoso do que ele no Brasil da época--, fazendo comercial da Shell, cantando "The Shadow of Your Smile" com Sarah Vaughan, regendo o Maracanãzinho lotado e esbanjando malícia (ou pilantragem, como se dizia). "Pilantragem é o não-enchimento, o descompromisso com a inteligência", diz ele no filme, sem saber que a frase seria premonitória.
Filho de Wilson Simonal diz que história está "incompleta"
LUIZ FERNANDO VIANNA
da Folha de S.Paulo
Max de Castro e seu irmão, o também músico Wilson Simoninha, assistiram a "Ninguém Sabe o Duro que Dei" e não pediram modificações no filme sobre o pai. Mas só porque não acham certo interferir em obra alheia.
Segundo Max, pôr o depoimento do contador Raphael Viviani na parte final do documentário deixou a história "incompleta". "Não há contra-argumentos depois. E a coisa não é tão simples como aparece no filme.
Não fica claro que houve ações anteriores [à surra]. Ele [Simonal] procurou saber o que estava acontecendo [em relação ao roubo]. Sabendo da origem humilde dele, do fato de não ter tido um pai, você consegue imaginar ser possível a atitude que ele tomou, ainda que nada justifique."
Nascido em 1972, ano em que o pai foi condenado, Max ressalta que Simonal não era politizado, daí ter pensado que era um trunfo dizer que conhecia gente do Dops. "Ele tentou usar a malandragem e o jogo de cintura. Não percebeu o tamanho da encrenca em que estava entrando."
Apesar das ressalvas e de ver o filme como "apenas uma introdução" à vida do pai, Max considera importante que se fale de Simonal. Ele acredita que é a juventude quem está reabilitando o cantor.
"Pessoas que se deparam acidentalmente com a obra dele e não têm nenhum ranço ideológico querem saber quem foi esse artista. Os mais velhos, mesmo os que gostavam dele, não se sentiam à vontade", diz Castro, contando receber com freqüência monografias de universitários sobre o pai.
Com depoimentos de Pelé, Miele, Chico Anysio e Tony Tornado, o documentário pode contribuir para que não sejam ditas frases como a ouvida por Cláudio Manoel de um frentista: "Pô, seu Casseta, vai fazer um filme sobre o cara que torturou o Caetano [Veloso]?"
LUIZ FERNANDO VIANNA
da Folha de S.Paulo
Em 2002, quando começou a buscar patrocínio para um documentário sobre Wilson Simonal (1939-2000), o humorista Cláudio Manoel encontrou dois tipos de pessoas: as que não se interessavam, por desconhecer quem tinha sido Simonal, e as que diziam coisas como "não quero me meter nisso", "para que mexer nessa história?".
"Ninguém Sabe o Duro que Dei", filme de Manoel, Micael Langer e Calvito Leal que será lançado no festival É Tudo Verdade (no próximo sábado, no Rio, e nos dias 4 e 5 de abril no CineSesc, em São Paulo), é o primeiro olhar do cinema sobre esse homem que, como diz Nelson Motta no documentário, "virou um tabu, um leproso, um pária" na música brasileira.
O degredo começou em agosto de 1971, quando sua popularidade como cantor só era superada (e não por muitos pontos) por Roberto Carlos. Suspeitando de que seu contador o roubava, ele mandou dar-lhe uma surra.
O problema é que a surra foi dada por dois agentes do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), serviço público cuja especialidade era torturar adversários da ditadura militar --e falsos adversários também. Um inspetor, Mário Borges, disse à imprensa que Simonal era informante do Dops, e a pecha de dedo-duro nunca mais se descolou dele, jogando-o num longo ostracismo.
"Ele pagou uma pena dura demais, desproporcional para uma surra, porque sua condenação foi até o fim da vida. Para ele, não teve anistia", afirma Manoel, da trupe Casseta & Planeta.
Mas o documentário não é uma defesa de Simonal. Por um lado, até piora sua situação, pois os três diretores, empenhados em saber o máximo sobre o que aconteceu, contrataram um detetive para localizar Raphael Viviani, o contador que foi o pivô da história.
Viviani diz no filme que foi torturado com choques elétricos no Dops e só aceitou assinar uma confissão do roubo --que ele nega ter cometido-- quando ameaçaram pegar sua família.
Talvez a história tivesse terminado aí, não fosse sua mulher ter dado queixa do seu desaparecimento. O delegado resolveu investigar o caso, viu Viviani todo machucado e chegou ao nome de Simonal.
Ingenuidade
O cantor alegou ter recorrido ao Dops porque vinha recebendo ameaças terroristas e disse, talvez para impressionar, que tinha conhecidos na polícia política. Quando, mesmo sem provas, foi classificado como informante, ele se enrascou.
"Ele foi infeliz no caminho que seguiu", afirma Viviani no filme. Por esse lado, o contador até ajuda a imagem de Simonal, pois reforça a idéia predominante no documentário: o cantor era um boquirroto ingênuo, sem consciência da gravidade da situação política de então, e morreu pela boca.
Pela surra que mandou dar, Simonal foi condenado em 1972 a cinco anos e quatro meses, que pôde cumprir em liberdade. Pela fama de dedo-duro, pagou enquanto esteve vivo --e depois também.
Em 2003, após a família pedir uma investigação sobre o caso e diante do documento de 1999 da Secretaria Nacional de Direitos Humanos informando que não havia nenhuma prova de que Simonal tivesse servido à ditadura, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) o reabilitou simbolicamente.
"Ele dizia para mim: "Eu não existo na história da música brasileira'", conta, no filme, Sandra Cerqueira, a segunda mulher de Simonal, que acompanhou sua amargura, seu alcoolismo e sua grande raiva --o documentário tem imagens dele em programas de TV clamando inocência.
"Ele tinha uma atitude provocativa que não o ajudava a fazer amizades. Era metido a besta, um crioulo de sucesso que andava de carrão e comia as filhas dos brancos. Era um negro liberto", diz Manoel, tocando na questão racial, muito presente no longa.
Boa parte do filme cobre o "antes da queda". Aí se vê Simonal ao lado de Pelé --possivelmente o único negro mais famoso do que ele no Brasil da época--, fazendo comercial da Shell, cantando "The Shadow of Your Smile" com Sarah Vaughan, regendo o Maracanãzinho lotado e esbanjando malícia (ou pilantragem, como se dizia). "Pilantragem é o não-enchimento, o descompromisso com a inteligência", diz ele no filme, sem saber que a frase seria premonitória.
Filho de Wilson Simonal diz que história está "incompleta"
LUIZ FERNANDO VIANNA
da Folha de S.Paulo
Max de Castro e seu irmão, o também músico Wilson Simoninha, assistiram a "Ninguém Sabe o Duro que Dei" e não pediram modificações no filme sobre o pai. Mas só porque não acham certo interferir em obra alheia.
Segundo Max, pôr o depoimento do contador Raphael Viviani na parte final do documentário deixou a história "incompleta". "Não há contra-argumentos depois. E a coisa não é tão simples como aparece no filme.
Não fica claro que houve ações anteriores [à surra]. Ele [Simonal] procurou saber o que estava acontecendo [em relação ao roubo]. Sabendo da origem humilde dele, do fato de não ter tido um pai, você consegue imaginar ser possível a atitude que ele tomou, ainda que nada justifique."
Nascido em 1972, ano em que o pai foi condenado, Max ressalta que Simonal não era politizado, daí ter pensado que era um trunfo dizer que conhecia gente do Dops. "Ele tentou usar a malandragem e o jogo de cintura. Não percebeu o tamanho da encrenca em que estava entrando."
Apesar das ressalvas e de ver o filme como "apenas uma introdução" à vida do pai, Max considera importante que se fale de Simonal. Ele acredita que é a juventude quem está reabilitando o cantor.
"Pessoas que se deparam acidentalmente com a obra dele e não têm nenhum ranço ideológico querem saber quem foi esse artista. Os mais velhos, mesmo os que gostavam dele, não se sentiam à vontade", diz Castro, contando receber com freqüência monografias de universitários sobre o pai.
Com depoimentos de Pelé, Miele, Chico Anysio e Tony Tornado, o documentário pode contribuir para que não sejam ditas frases como a ouvida por Cláudio Manoel de um frentista: "Pô, seu Casseta, vai fazer um filme sobre o cara que torturou o Caetano [Veloso]?"
5 Comments:
enfim começam a jogar uma luz nestsa história. Meu pai era um grande fã do Simonal, e sempre me falava que pegaram ele pra cristo por ser preto e bem sucedido. Ouvia esta história desde criança e alguns parentes até condenavam meu velho por gostar do Simonal, denfendê-lo e ainda por cima rodar discos dele em festas, churrascos, reveilons e demais encontros familiares que rolavam na minha casa.
Admiro a postura do filho do Simonal, de emitir uma opinião contrária mas respeitando o lançamento do documentário. Acredito que, pelo que li neste post, este filme ainda vai dar muito o que falar. Pro bem e pro mal.
Valeu Lips. Assunto pertinente.
E poe pertinente nisso. So estou esperando o nosso MATUSALEM aka Lacaio emitir uma opiniao pra ue poder entrar de vez na conversa.
Então vamos lá...
Pra começar, vou logo dizendo que fui criado com o som do Simonal na vitrola lá de casa, fora o bombardeio das rádios. O cara ERA MAIOR QUE O ROBERTO CARLOS, e provavelmente um dos cinco melhores cantores de nossa história. O Pasquim (que eu adoro) ajudou a enterrá-lo artisticamente de vez, e naqueles tempos maniqueístas (esquerda X direita) qualquer suspeita de relação com o governo federal bastava pra queimar um sujeito. Penso que o "Simona" fez só uma bobagem, naquela de malandro que resolve as coisas no sacode dos outros, e depois todo o resto foi (principalmente pelo agente do DOPS) superestimado. Fosse ele branco e bem nascido as coisas seriam diferentes? Quem sabe...
Na mosca. Caio vc definiu tudo.
Nao tenho mais nada a dizer.
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