As autoridades são inocentes
A bandidagem esculachou o Rio de Janeiro mais uma vez, e chega a ser comovente a esperança de todos de que o novo governador vai dar um jeito na situação. A culpa é da Rosinha. A culpa é do Garotinho. A culpa é do Lula.
Lula tem culpa de várias coisas, Rosinha e Garotinho têm culpa de um monte de coisas. Mas no caso dos ataques em série a policiais, delegacias, ônibus e outros alvos públicos, o queixume do cidadão de bem está com endereço errado. Sérgio Cabral vai resolver?! Chega a dar pena…
Sugestão deste espaço (só vale para os ricos, este é um espaço elitista): contrate um passeio de helicóptero e não vá ao Corcovado. Sobrevoe os morros do Rio de Janeiro, depois mande o piloto tocar para a periferia (de preferência, sem ter que apontar um revólver para a cabeça dele).
Veja como a cidade está ocupada. Admire o caos, observe os amontoados humanos, perceba os latifúndios intermináveis de vida degradada, flagre as paisagens aberrantes de falta de civilização, de deserto cultural, de monstruosidade estética. Depois, abra um mapa do Grande Rio e constate que a cidade civilizada é uma nesga cercada por esse mar de incivilização. Conclusão imediata: a metrópole são eles.
O Palácio Guanabara é um detalhe desprezível nessa paisagem. Uma ruína do que já foi o poder público. O poder público não pode mais nada. Ou melhor, pode enxugar uma pedra de gelo aqui e outra ali, durante o dia. À noite, aproveita o gelo para diluir uma dose de uísque, afrouxar a gravata e entregar o resto a Deus, que ninguém é de ferro.
O que o poder público poderá com Sérgio Cabral é o mesmo que pôde com Rosinha e Garotinho: negociar com traficante. Sim, é essa a política de segurança no Rio há muito tempo. Cabral dançará mansamente conforme essa música. A polícia alivia a área tal, os bandidos não esculacham o cidadão dali para baixo, vista grossa para as bocas de fumo nos locais A, B e C, cessar-fogo nos bairros X, Y e Z, e vamos tocando a vida.
Agora desembarque do helicóptero e pegue um táxi. Sugestão: dirija-se à Zona Oeste – ou Zona Faroeste. Ali fica mais claro que fim levou a metrópole. Testemunhe a propensão à delinqüência a cada esquina, da van tresloucada ao comerciante bandalheiro, cada um tomando posse do seu pedaço de rua ou calçada, sem o menor vestígio de interferência do Estado.
Atravesse áreas carentes e não-carentes na Baixada de Jacarepaguá e veja como fica ridículo, diante da imensa paisagem sem lei, o Palácio Guanabara e seus soldadinhos. O problema nem é a PM. Mande a Scotland Yard disciplinar o faroeste e ela voltará com o rabo entre as pernas. A polícia não pode consertar o que a sociedade inteira estragou.
Mesmo nas áreas ricas da Barra da Tijuca, observe os motoristas dos carros coloridos (ou melhor, imagine, pois eles estão escondidos atrás de vidros escuros), sempre com a mão enterrada na buzina, subindo em calçadas e tentando passar por cima do próximo. Sorria, você está no império da falta de educação.
A polícia japonesa é muito eficiente, a inglesa também. Qual sua principal arma? A organização da sociedade que estão incumbidas de proteger.
A guerra do Rio de Janeiro está perdida. E, por favor, parem com essas conversas de força-tarefa e gabinete integrado de segurança. Entreguem tudo a Deus, se for o caso, mas parem de zombar da sua própria inteligência.
Se no Rio de Janeiro explodisse amanhã uma revolução cultural, em duas gerações talvez a polícia tivesse algo mais a fazer do que chupar picolé. Fora disso, o que teremos é uma sucessão melancólica de sérgios cabrais gritando basta, enchendo de esperança os inocentes e mendigando, nos bastidores, a clemência dos bandidos.
Com uma diferença: o preço da trégua será cada vez mais alto.
Guilherme Fiuza
A bandidagem esculachou o Rio de Janeiro mais uma vez, e chega a ser comovente a esperança de todos de que o novo governador vai dar um jeito na situação. A culpa é da Rosinha. A culpa é do Garotinho. A culpa é do Lula.
Lula tem culpa de várias coisas, Rosinha e Garotinho têm culpa de um monte de coisas. Mas no caso dos ataques em série a policiais, delegacias, ônibus e outros alvos públicos, o queixume do cidadão de bem está com endereço errado. Sérgio Cabral vai resolver?! Chega a dar pena…
Sugestão deste espaço (só vale para os ricos, este é um espaço elitista): contrate um passeio de helicóptero e não vá ao Corcovado. Sobrevoe os morros do Rio de Janeiro, depois mande o piloto tocar para a periferia (de preferência, sem ter que apontar um revólver para a cabeça dele).
Veja como a cidade está ocupada. Admire o caos, observe os amontoados humanos, perceba os latifúndios intermináveis de vida degradada, flagre as paisagens aberrantes de falta de civilização, de deserto cultural, de monstruosidade estética. Depois, abra um mapa do Grande Rio e constate que a cidade civilizada é uma nesga cercada por esse mar de incivilização. Conclusão imediata: a metrópole são eles.
O Palácio Guanabara é um detalhe desprezível nessa paisagem. Uma ruína do que já foi o poder público. O poder público não pode mais nada. Ou melhor, pode enxugar uma pedra de gelo aqui e outra ali, durante o dia. À noite, aproveita o gelo para diluir uma dose de uísque, afrouxar a gravata e entregar o resto a Deus, que ninguém é de ferro.
O que o poder público poderá com Sérgio Cabral é o mesmo que pôde com Rosinha e Garotinho: negociar com traficante. Sim, é essa a política de segurança no Rio há muito tempo. Cabral dançará mansamente conforme essa música. A polícia alivia a área tal, os bandidos não esculacham o cidadão dali para baixo, vista grossa para as bocas de fumo nos locais A, B e C, cessar-fogo nos bairros X, Y e Z, e vamos tocando a vida.
Agora desembarque do helicóptero e pegue um táxi. Sugestão: dirija-se à Zona Oeste – ou Zona Faroeste. Ali fica mais claro que fim levou a metrópole. Testemunhe a propensão à delinqüência a cada esquina, da van tresloucada ao comerciante bandalheiro, cada um tomando posse do seu pedaço de rua ou calçada, sem o menor vestígio de interferência do Estado.
Atravesse áreas carentes e não-carentes na Baixada de Jacarepaguá e veja como fica ridículo, diante da imensa paisagem sem lei, o Palácio Guanabara e seus soldadinhos. O problema nem é a PM. Mande a Scotland Yard disciplinar o faroeste e ela voltará com o rabo entre as pernas. A polícia não pode consertar o que a sociedade inteira estragou.
Mesmo nas áreas ricas da Barra da Tijuca, observe os motoristas dos carros coloridos (ou melhor, imagine, pois eles estão escondidos atrás de vidros escuros), sempre com a mão enterrada na buzina, subindo em calçadas e tentando passar por cima do próximo. Sorria, você está no império da falta de educação.
A polícia japonesa é muito eficiente, a inglesa também. Qual sua principal arma? A organização da sociedade que estão incumbidas de proteger.
A guerra do Rio de Janeiro está perdida. E, por favor, parem com essas conversas de força-tarefa e gabinete integrado de segurança. Entreguem tudo a Deus, se for o caso, mas parem de zombar da sua própria inteligência.
Se no Rio de Janeiro explodisse amanhã uma revolução cultural, em duas gerações talvez a polícia tivesse algo mais a fazer do que chupar picolé. Fora disso, o que teremos é uma sucessão melancólica de sérgios cabrais gritando basta, enchendo de esperança os inocentes e mendigando, nos bastidores, a clemência dos bandidos.
Com uma diferença: o preço da trégua será cada vez mais alto.
Guilherme Fiuza
5 Comments:
"Ôoo crianças, isso é só o fim, isso é só o fim".
É, companheiro, daqui pra frente, tenhamos medo...
a culpa inclusive é do Guilherme Fiuza também, o caos está instalado há tempos no Brasil ñ só no Rio, guerra civil total caos.
Uma cacetada verbo/moral que infelizmente não surtira efeito nenhum.
"O que não tem governo, nem nunca terá?
O que nao tem vergonha, nem nunca terá.?
O que não tem juízo?
La la la la la…….."
As autoridades desse país deveriam pensar do dito por Dom José Maria Pires aos formandos do curso da Área Humanística da UFPB, em 20.07.1983:
"Seja-me permitido externar, com simplicidade e clareza, meu pensamento: Vocês, caros diplomandos, não se formaram para ter um diploma que lhes dê acesso a um emprego bem remunerado e a uma vida relativamente fácil e tranquila. Vocês se formaram à custa de grande sacrifício da coletividade e num tempo de vacas magras para a grande maioria de nossos concidadãos. Vocês têm um dever primordial, não para com vocês mesmos, mas para com a Mãe-Pátria, que está necessitando do idealismo e da capacidade dos seus filhos mais novos para salvá-la. Vocês não podem recusar ao Brasil essa contribuição urgente e indispensável."
Creio que se os detentores dos poder público (judiciário, executivo e legislativo) pensassem um pouco no que disse Dom José Maria Pires talvez poderiamos almejar um país mais justo e equânime.
Daniel S. Martins
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